Gestão de empreendimentos rurais: tendências, desafios, e oportunidades (2)

Matheus Alberto Cônsoli, Anderson Tadeu Frangiotti e Guilherme Carlotti lançam artigo com o tema: "Gestão de empreendimentos rurais: tendências, desafios e oportunidades". Continuando uma sequência de artigos.

Após abrir a sequência de artigos que abordará o tema gestão de empreendimentos rurais com uma introdução ao assunto tratando da significância desta atividade para o agronegócio mundial e as tendências que impactam esse universo complexo em constante evolução, o tema abordado por este já mergulha no que os anos de consultoria e centenas de projetos concluídos apontam como mais importante para a gestão de empreendimentos rurais no Brasil. 

Aqui não se esgotam as possibilidades da existência de outros temas, porém do ponto de vista dos autores, são boas práticas que quando bem implementadas e acompanhadas diariamente, podem trazer resultados satisfatórios para a gestão agrícola. Em alguns momentos os pontos citados acabam por simular ou representar a estrutura de um empreendimento de grãos, mas os conceitos e exemplos servem tão bem quanto para outras culturas agrícolas, assim como para pecuária.  

Outro ponto a ser mencionado é a ideia de projetar pontos de gestão dentro do maior número possível de tamanhos de empreendimentos rurais. O objetivo não é restringir o texto a apenas um seleto grupo, mas sim permitir adaptá-lo a realidades distintas, possibilitando que os produtores se sintam confortáveis com a leitura e a implementação dos tópicos citados da porteira para dentro. 

O elemento mais constante da realidade e do ambiente é a mudança e o esforço em entender a realidade para descobrir tendências e sofrer com a rapidez pela qual o ambiente muda e novas situações surgem¹. Esse ponto é importante para que se entenda a razão pela qual o artigo anterior destaca apenas três macrotendências e este levante dois temas importantes para uma gestão de qualidade, que entendemos ser aquela gestão apta a suportar as adversidades e adaptar-se as mudanças. Os temas deste artigo partem da noção de planejamento, divididos em planejamento do empreendimento e planejamento financeiro, temas robustos que traremos em síntese para que o leitor possa conhecer o básico do que pode contribuir com o seu modelo de gestão. 

Planejamento do empreendimento rural: 

O primeiro tema que o texto tratará é o planejamento e direcionamento das atividades no empreendimento. Para abri-lo e trazer à prática, vale o leitor perguntar-se sobre o horizonte econômico da atividade, ou seja, quanto se imagina obter de retorno ou até quais são os principais resultados que se espera do segmento dentro de um recorte temporal limitado de sua escolha, seja uma safra, um ano, ou aquele que melhor se adeque à sua atividade. Seja prático ao escolher esse recorte, escolha o período com base em um prazo que normalmente encerra um ciclo ou um processo na sua atividade. 

O próximo exercício que se propõe para quem busca aplicação à sua realidade é o diagnóstico dos principais aspectos da gestão do empreendimento, verificando se há clareza suficiente dos processos e etapas que o envolvem, para garantir um bom desempenho da atividade agrícola ou até um resultado acima da média. Para isso, identificar possíveis gargalos é essencial e considerar quais são os desafios que podem orientar o trabalho na busca por aperfeiçoamento da gestão do empreendimento é o que vai permitir o ganho de eficiência operacional, que traz resultados. 

Além disso, o ambiente externo é parte chave do planejamento do produtor, algo que você já deve ter se dado conta. A sugestão de exercício nesse ponto se dá na busca de novas oportunidades que possam surgir a partir da atividade própria ou da modalidade agrícola adotada. Isso pode ajudar a otimizar o aproveitamento do seu empreendimento para melhorar o fluxo financeiro do seu negócio, minimizando o impacto de um problema comum nesse meio, ligado à sazonalidade. Ao longo do tempo, algumas culturas tornaram-se supercompetitivas, migraram de regiões ou foram substituídas no mercado. Esse exercício de inteligência que o produtor deve fazer para entender o ambiente onde está inserido pode partir de uma simples pesquisa na internet ou conversa com os vizinhos, buscando semelhantes que encontraram meios de aproveitar sua terra de forma mais competitiva. 

A partir deste primeiro tema, pontos como o nível de maturidade da gestão agrícola e as áreas que precisam de melhorias para alcançar os resultados aparecerão, cabendo ao produtor priorizar as áreas ou setores do empreendimento em que a busca por eficiência é mais urgente, ciente das limitações que possui para promovê-las. Melhorando a eficiência da produção, ele deve partir na busca de oportunidades que tragam novas soluções, seja no âmbito comercial, operacional, financeiro ou outro, o fato é que o mercado é dinâmico, a tecnologia implacável e aquele que não se adapta e usa as ferramentas a seu favor, acaba ficando para trás. 

Planejamento Financeiro: 

O segundo pilar dentro do guarda-chuva de planejamento é o fluxo financeiro, que já comentamos anteriormente. Este pilar é um dos pontos mais sensíveis e perceptíveis por parte do agricultor, primeiramente pelo fato deste agricultor em muitos casos misturar o negócio e suas despesas pessoais e familiares, o que normalmente gera confusão e complica a gestão financeira precisa do negócio. Esse é, sem dúvida, o principal ruído e que pode mascarar os resultados reais da sua produção e/ou do seu negócio.  

Estabelecer uma estrutura mínima de controles financeiros da sua atividade também é um problema comum deste e de outros negócios, tratando de quaisquer tamanhos de empreendimentos e atividades. É crucial que haja clareza sobre o retorno real do seu negócio, pois trata-se de uma atividade “empresarial” que exige investimento significativo de tempo e dinheiro. Independentemente do tamanho do empreendimento, por mais que historicamente seja uma atividade que acabe gerando sustento e segurança à família, o produtor precisa ter clareza dos reais números do seu negócio. Por isso, propõe-se aqui o exercício de se perguntar quanto custa a sua hora e a hora de todos aqueles que contribuem com as atividades do seu negócio, para que se possa contabilizar o seu custo com mão de obra, o que costuma ser a parte mais complicada. Em seguida, realize o mesmo exercício, agora com os custos em todos os insumos para que ocorra sua produção, lembre-se de anotar o básico, como a energia elétrica, água, materiais de limpeza, internet etc. Tudo que estiver ligado à atividade e tiver custo, deve ser contabilizado para que se tenha visibilidade de tudo aquilo que considerar-se-á “saídas” do seu caixa. Esse é o complexo caminho para a simples equação de entradas de todo recurso com a venda da sua produção menos saídas, que trará o resultado líquido do seu negócio. 

Outro ponto oriundo da natureza da atividade são as sazonalidades, tanto dentro da operação agrícola quanto nos desafios nos momentos das negociações dos insumos da cultura, nos recebimentos da produção e no fluxo financeiro de pagamentos das rotinas do empreendimento. Essas variações constantes, exigem do agricultor uma maior atenção com o fluxo de caixa, monitorando cuidadosamente as saídas e as entradas de valor. 

Lembrando ainda que questões ambientais e climáticas, como a ocorrida em 2023, podem provocar uma aceleração ou um retardo destes calendários de desembolsos e recebimentos. Sobre este tema, caso historicamente o agricultor não possua controles financeiros minimamente desenhados para a atividade, um “balanço” de desencaixe financeiro pode provocar uma avalanche de problemas de caixa que consequentemente poderiam ser refletidos na “demonstração” de resultado da sua atividade, trazendo clareza para a tomada de decisão. Caso o produtor não tenha o hábito e nem se prepare para interpretar estes relatórios de controles, ele poderá se perder quanto a mensuração do real retorno financeiro da sua atividade e acabar tomando decisões baseadas no sentimento ao invés da razão. 

Todo e qualquer negócio que busque eficiência precisa de uma boa gestão financeira, mas o caso do agronegócio é talvez um dos mais sensíveis, pois é da natureza desse meio a sazonalidade, desde a operação agrícola, envolvendo o pré-plantio, o plantio, os cuidados da safra, até a comercialização, exportação etc. Além de periodizado, vale reforçar o ponto da imprevisibilidade, que tanto afeta o mercado. Nesse ponto, inúmeros são os casos e exemplos que poderiam ser destacados, mas com certeza você, inserido no contexto agro, terá lembrança recente ou distante de algum sufoco ocasionado por fatores não controlados pelo homem, seja ele climático, falta de insumo ou até a pandemia da covid-19 dentre tantos impactos que ela trouxe. 

Com tanto risco, a atividade agro, essencial como só poderia ser, requer uma atenção ímpar ao fluxo de caixa, controle minucioso de entradas e saídas. Caso contrário, a exemplo genérico, um produtor que na época da colheita vê um preço baixíssimo do seu produto, na possibilidade de armazenar, ciente do custo que isso acarreta, ou vender para liquidar suas dívidas, poderá escolher, no caso de um produto de menor perecibilidade, armazenar a sua produção e aguardar o melhor momento para a venda ou apenas vender até mesmo com algum prejuízo, mas só poderá escolher se o caixa do seu negócio apresentar a saúde necessária para lidar com a situação de atrasar a entrada de recurso. O exemplo apenas deve fixar a importância, em uma situação de pouco risco, de gerir o seu caixa, a fim de tomar sempre a decisão racional. 

A expectativa com esses textos é que tragam conceitos, reflexões e exemplos que o permitam aplicar algumas das práticas que entendemos ser importantes para uma gestão saudável do seu negócio. Não espera-se que você se torne um especialista nestes temas apenas com o que tratamos aqui, mas que você entenda um pouco do que a longa trajetória no agronegócio ensina sobre a eficiência em gestão, algo impossível de acontecer sem um bom planejamento, daqueles que não acontece do dia pra noite, de um mês para o outro, e que não vai acertar em 100%, mas daqueles que a cada ano evolui um pouco, minimiza os desvios e coloca o seu negócio no bom caminho. 

Após este texto, os próximos assuntos a serem tratados são referentes aos seguintes temas, estrutura da propriedade, comercialização da produção e gestão de pessoas. 

 

Sobre os Autores:

Matheus Alberto Cônsoli é sócio fundador da Markestrat Group. Especialista em Estratégias de Negócios, Distribuição, Acesso a Mercado, Marketing e Vendas, Gestão de Cadeias de Suprimentos, e Avaliação de Investimentos. Possui ampla experiência em negócios agro no Brasil e exterior, suportando diversas indústrias de insumos, distribuidores e cooperativas, além de entidades públicas e empresas de outros setores a definir e implementar suas estratégias, redefinir estruturas e se posicionar no mercado em busca de competitividade e performance. É Doutor em Engenharia de Produção pela EESC/USP, Mestre e Graduado em Administração de Empresas pela FEA/USP. Professor em MBA’s da FGV e instrutor especialista em diversos programas de capacitação executiva. Investidor anjo, também apoia startups e investidores em avaliar e desenvolver negócios e processos de transformação digital e adoção de novas tecnologias e processos.

Anderson Tadeu Frangiotti é associado Markestrat. Especialista em sistemas de gestão agroindustrial, com experiência em Avaliação de Investimentos, Gestão da Cadeia de Suprimentos e Estratégia de Negócios. Graduado em Administração de Empresas e Matemática Aplicada a Negócios USP – FFCLRP/FEARP e Mestre em Administração de empresas pela USP - FEARP. Atuou por 10 anos como head de Supply Chain em empresa do agro, onde ajudou a redefinir a governança e a estrutura de distribuição bem como o acesso ao mercado. Professor universitário desde 2010 em cursos de pós-graduação e MBA’s e também instrutor em programas de capacitação executiva. Investidor em startups no agro, contribuindo com a definição do modelo de negócios e otimização dos processos.

Guilherme Carlotti é consultor da Markestrat Group. É graduado em Administração com Linha de Formação em Sistemas Agroindustriais pela UFSCar. Tem experiência em projetos de pesquisa e consultoria envolvendo as áreas de inteligência de mercado, acesso ao mercado, e planejamento estratégico.

Referências:

1 CHIAVENATO, I. Planejamento Estratégico: Fundamentos e Aplicações. 12. ed. Elsevier, [2004].