Gestão de empreendimentos rurais: tendências, desafios, e oportunidades (4)

Matheus Alberto Cônsoli, Anderson Tadeu Frangiotti e Guilherme Carlotti lançam artigo com o tema: "Gestão de empreendimentos rurais: tendências, desafios e oportunidades". Continuando uma sequência de artigos.

A gestão de pessoas é um componente essencial para o sucesso de qualquer empreendimento, e nos empreendimentos rurais, essa importância é ainda mais acentuada. Em um ambiente onde a mão de obra é frequentemente escassa e as condições de trabalho podem ser desafiadoras, a capacidade de atrair, desenvolver e reter talentos é crucial. Este artigo, o quarto de nossa série sobre empreendimentos rurais, aborda as estratégias e práticas que podem ser implementadas para otimizar a gestão de recursos humanos no campo.

Você deve imaginar que o tema é aqui abordado como pilar fundamental da discussão acerca de empreendimentos rurais pela razão óbvia de impactar diretamente em eficiência operacional dentro da porteira, mas lembramos que se estende por aspectos sociais muito maiores, no sentido de promoção de possibilidade de emprego e desenvolvimento de famílias e até regiões inteiras quando um empreendimento é bem gerido e oferece um plano apropriado para seus colaboradores.

Gestão de Pessoas 

Com isso, o tema agora é ainda mais comum ao público ligado ao agronegócio e é indispensável para a discussão proposta. A escassez de mão de obra qualificada se dá como desafio crescente que transcende o setor agrícola e a gestão operacional “dentro da porteira”. A gestão de pessoas torna-se cada vez mais crucial para o sucesso global das operações, pois a ineficiência de uma equipe operacional pode comprometer a integridade de um sistema bem estruturado, desde o entendimento inadequado de instruções técnicas até a manutenção incorreta de processos essenciais, como a alimentação do gado à exemplo da pecuária, afetando diretamente os resultados.

Para começar, a definição clara das responsabilidades e rotinas é crucial para o desempenho dos colaboradores em uma atividade. Muitas vezes, os trabalhadores são alocados em funções sem orientação adequada, aprendendo informalmente com colegas mais antigos, o que pode perpetuar práticas ineficientes. Em propriedades de grande porte, é imprescindível a criação de um organograma que detalhe as funções e atividades, promovendo comunicação eficaz e melhorando a gestão de pessoal, o que ainda evita os comuns desentendimentos entre equipes e entre a equipe e o seu responsável. Essa prática é também de grande valia para médias propriedades, auxiliando de igual maneira o controle e gestão do quadro de pessoas que contribuem para as atividades.

Desenvolver um plano de carreira claro, que defina cargos e salários, tem se mostrado muito eficaz para reter bons funcionários, por apontar o caminho para o crescimento profissional dentro da organização. O mapeamento dos processos de trabalho através de fluxogramas proporciona direção e controle para a liderança, sendo especialmente útil para tarefas burocráticas e rotineiras, além de orientar o crescimento e evolução das pessoas que desempenham alguma função, seja ela operacional ou, principalmente, de gestão. Embora detalhar todos os processos possa ser exaustivo, para propriedades com gestão avançada, esse esforço é crucial para a implementação de sistemas de gestão eficazes.

Governança, Sustentabilidade e Controles 

Para fechar esse texto com outro tema que não poderia estar de fora, tratamos brevemente sobre a governança de propriedades rurais, abrindo o tópico falando sobre um termo que aqueles com alguma familiaridade no assunto devem conhecer, “holding familiar”, ou seja, empresa responsável por obter um melhor aproveitamento dos recursos de uma família, desde bens até o pagamento de impostos. O que queremos esclarecer aqui é que a governança é um trabalho maior do que isso, envolvendo uma série de fatores que podem contribuir mais do que se imagina para a sustentabilidade do negócio ao longo do tempo.

Acordos de acionistas e sócios, que podem incluir membros da família ou não, representam aspectos delicados que podem ser eficazmente gerenciados por uma governança corporativa robusta, promovendo o controle, a gestão e a harmonia entre as partes. A estruturação de um conselho de administração é vital para assegurar uma administração eficiente da propriedade e para garantir transparência nos resultados e nas decisões tomadas. Embora existam elementos da governança de propriedades rurais que não requerem alto grau de maturidade, eles são essenciais para uma gestão eficaz.

Uma boa prática que marca o primeiro passo para isso é a implementação de uma agenda regular de reuniões mensais entre os líderes da propriedade, onde se discutem os dados financeiros e produtivos, é extremamente benéfica para o aprimoramento do desempenho operacional. Complementarmente, um painel de gestão que exiba os principais indicadores de desempenho da fazenda, utilizado pelos colaboradores e líderes como um “velocímetro” para monitorar os avanços e resultados, constitui uma ferramenta poderosa. Na gestão de produção, essa prática é conhecida como gestão à vista, como foi batizada no sistema Toyota, consiste em indicadores que direcionam a atividade empresarial e refletem os números do setor agrícola.

Por fim, mas não menos importante, as atividades relacionadas ao ESG (Environmental, Social, and Governance) são fundamentais. Muitas propriedades já realizam uma ou mais ações de ESG, mas essas iniciativas são raramente discutidas ou aproveitadas, seja na promoção da própria atividade ou no relacionamento com fornecedores, instituições financeiras ou trades. Práticas como a reciclagem obrigatória de embalagens plásticas, o uso de cobertura vegetal para preservar as propriedades do solo, a diversificação de culturas para fixação de nitrogênio, a gestão organizada com relatórios estruturados, o uso mandatório de EPIs e a capacitação contínua dos colaboradores são apenas alguns exemplos de ações que o empreendimento pode já realizar e não usufrui dos benefícios e incentivos para isso.

As discussões acerca dos temas aqui tratados geram insumo para muitas reflexões ao empreendedor rural, afinal, trabalhamos desde o começo com aspectos mercadológicos, estruturais e logísticos, pessoais, comerciais e gerenciais dos empreendimentos rurais, que apesar de apresentados com um viés de maior aproveitamento às médias e grandes propriedades, são de valia também para as pequenas, que representam a grande maioria no nosso país. O teor sugestivo do material segue a lógica que trabalhamos na série, com o intuito de levantar os temas propondo as boas práticas que o empreendedor pode adotar visando os melhores resultados.

Um empreendimento rural de sucesso, no sentido do que trazemos aqui, é não só aquele que atinge maturidade em operação e gestão, mas aquele que promove o próprio crescimento e o desenvolvimento de todos aqueles que fazem parte do negócio, antes da porteira, dentro da porteira, e depois da porteira, ou seja, toda a cadeia envolvida no processo.

A sequência do trabalho que estamos construindo através destes artigos trará de forma organizada uma visão de consultoria acerca das discussões já fomentadas com o intuito de potencializar a aplicação dos conceitos, sendo ainda mais prática, objetiva e sugestiva, muito direcionada ao empreendedor rural. Esperamos entregar valor para qualquer profissional relacionado ao agronegócio através da série, mas cientes de que o esforço se dá de forma pensada ao indispensável empreendedor rural brasileiro.

 

Sobre os Autores:

 

Matheus Alberto Cônsoli é sócio fundador da Markestrat Group. Especialista em Estratégias de Negócios, Distribuição, Acesso a Mercado, Marketing e Vendas, Gestão de Cadeias de Suprimentos, e Avaliação de Investimentos. Possui ampla experiência em negócios agro no Brasil e exterior, suportando diversas indústrias de insumos, distribuidores e cooperativas, além de entidades públicas e empresas de outros setores a definir e implementar suas estratégias, redefinir estruturas e se posicionar no mercado em busca de competitividade e performance. É Doutor em Engenharia de Produção pela EESC/USP, Mestre e Graduado em Administração de Empresas pela FEA/USP. Professor em MBA’s da FGV e instrutor especialista em diversos programas de capacitação executiva. Investidor anjo, também apoia startups e investidores em avaliar e desenvolver negócios e processos de transformação digital e adoção de novas tecnologias e processos.

 

Anderson Tadeu Frangiotti é associado Markestrat. Especialista em sistemas de gestão agroindustrial, com experiência em Avaliação de Investimentos, Gestão da Cadeia de Suprimentos e Estratégia de Negócios. Graduado em Administração de Empresas e Matemática Aplicada a Negócios USP – FFCLRP/FEARP e Mestre em Administração de empresas pela USP - FEARP. Atuou por 10 anos como head de Supply Chain em empresa do agro, onde ajudou a redefinir a governança e a estrutura de distribuição bem como o acesso ao mercado. Professor universitário desde 2010 em cursos de pós-graduação e MBA’s e também instrutor em programas de capacitação executiva. Investidor em startups no agro, contribuindo com a definição do modelo de negócios e otimização dos processos.

 

Guilherme Carlotti é consultor da Markestrat Group. É graduado em Administração com Linha de Formação em Sistemas Agroindustriais pela UFSCar. Tem experiência em projetos de pesquisa e consultoria envolvendo as áreas de inteligência de mercado, acesso ao mercado, e planejamento estratégico.