Gestão de empreendimentos rurais: tendências, desafios, e oportunidades (3)

Matheus Alberto Cônsoli, Anderson Tadeu Frangiotti e Guilherme Carlotti lançam artigo com o tema: "Gestão de empreendimentos rurais: tendências, desafios e oportunidades". Continuando uma sequência de artigos.

O presente capítulo desta série se abre com mais um momento da porteira para dentro da realidade dos empreendimentos rurais, com o intuito de abarcar os temas mais relevantes para o empreendedor. Após olhar o planejamento com a devida importância que o tema traz, entramos no maior desafio enfrentado pelo empreendedor rural: a execução do que planejou na realidade imersa em imprevisibilidades do agronegócio.

Construir um plano que o prepare para o imprevisível é fundamental para que na hora da safra o empreendedor rural esteja apto a lidar com intempéries, afinal, uma execução bem feita suportada por uma gestão séria é a fórmula para que o empreendimento prospere. Não seria prudente inventar uma fórmula do sucesso, até porque cada empreendimento é uma célula com suas peculiaridades, mas é absolutamente possível sugerir as boas práticas que o colocam no caminho do sucesso, e é isso que faremos em mais um artigo.

Uma frase bastante comum para tratar da atividade agrícola é que ela é uma “fábrica a céu aberto”, ou seja, apresenta “inputs e outputs”, entradas e saídas de itens a serem transformados, no caso, insumos, sementes e outros, que sofrerão por ação do tempo e manejo humano a transformação para os produtos agropecuários que chegam à nossa mesa in natura ou processados.

Estrutura da Propriedade

Cada uma destas fábricas conta com uma sazonalidade diferente e consequentemente uma operação diferente. Sendo assim, ponto importante a ser analisado é como estão as estruturas de transformação desta fábrica para que se consiga ter a melhor produção possível, com o menor custo e com a melhor margem, o melhor dos mundos para qualquer empreendimento.

A gestão eficiente de insumos e a logística da operação são fundamentais para o sucesso da produção agrícola. A capacidade de receber insumos e gerenciar inventários de itens valiosos, além do trânsito eficaz de caminhões, equipamentos e implementos, são aspectos cruciais que suportam a boa operação logística na estrutura. Além disso, a armazenagem adequada dos insumos agrícolas, preservando suas propriedades químicas e biológicas, é essencial para manter sua qualidade.

No que tange à aquisição de insumos, tanto produtivos quanto improdutivos, a atenção é indispensável, pois nesse meio, um pequeno atraso pode gerar grandes perdas. Insumos de alto valor demandam controle rigoroso e planejamento alinhado ao fluxo financeiro, especialmente em propriedades de médio e grande porte, para prevenir impactos negativos no caixa. Itens improdutivos, como peças e combustíveis, requerem gestão de inventário ao longo do ano, pois sua má administração pode resultar em impactos significativos nas atividades agrícolas.

Olhando para os sistemas de controle já disponíveis no mercado, percebemos que há disponibilidade para atender diferentes tamanhos de propriedades rurais, facilitando a gestão, a segurança da informação e a clareza dos resultados. Esses sistemas abrangem setores como financeiro, estoque e produção agrícola, sendo um dos pontos indispensáveis para uma boa gestão da estrutura.

Por sua vez, a tecnologia também desempenha um papel crucial, com a integração de dados de máquinas e implementos agrícolas, controle de rebanho e uso de drones para pulverização e mapeamentos. Nesse tema, a inteligência artificial está avançando na gestão de maquinários, trazendo ganhos e economias de escala. É importante que os produtores avaliem quais tecnologias são viáveis para suas estruturas hoje e não deixem de acompanhar as constantes novidades.

No caso de segmentos como a pecuária de corte e leite, os controles devem ser aprimorados para assegurar boas margens de lucro na atividade final. A peculiaridade de cada segmento torna o aprimoramento de controles de gestão algo necessário para uma estruturação personalizada que atenda o que é devido em seu contexto.

Assim, olha-se para as fases de plantio e colheita com mais atenção, percebendo que a movimentação de implementos agrícolas deve ser eficiente. A correta capacidade de armazenamento, que garanta a manutenção das propriedades biológicas dos itens colhidos, e a habilidade de escoar a produção para atender clientes como cooperativas, cerealistas, traders e tantos outros, são vitais para evitar perdas e otimizar a operação do negócio.

Comercialização e Produção 

Alguns pontos, apesar de aparentemente óbvios para melhoria da gestão e dos ganhos em produtividade, devem ser lembrados. Como exemplo, o mapa do solo da propriedade, que apesar de parecer “básico”, é indispensável de constantes atualizações e visitas, pois vai nos apresentar desde as características de solo até a pluviometria de toda a propriedade. Para garantir uma boa produção, o “básico” deve necessariamente ser cumprido pelo empreendedor, ou então ele já poderá se considerar um potencial alvo da ineficiência produtiva e operacional.

Por isso, é importante ter um desenho da real capacidade produtiva da propriedade, ou seja, quanto é possível ter de retorno com relação às sacas colhidas em detrimento do investimento na preparação do solo com insumos e fertilizantes, e realmente fazer a conta na “ponta do lápis”, para fazer aplicação de recursos na medida correta. Para o maior aproveitamento dos recursos, deve-se atenção também às variedades de plantas, selecionando àquelas com maior aptidão para o devido momento. Em regiões onde a temperatura média nos últimos anos tem aumentado, por exemplo, é importante optar por variedades de plantas mais resistentes ao calor. Já no caso da pecuária, a dor pode ser ainda maior para o desenho da capacidade produtiva e estimativa de retornos, o que faz com que ainda que a propriedade veja ganhos em produtividade, deva atentar-se aos custos envolvidos para colocar o resultado real da atividade no papel e conhecer seus gargalos.

Complementando as importantes visões acerca da produção, trará muito preparo para o empreendimento um desenho e uma programação de todo o plantio que será realizado na propriedade com o maior detalhe possível sobre os períodos de pré-plantio, tratos e colheita, descrevendo os insumos aplicados por talhão, bem como os resultados ocorridos, assim como o diagnóstico e os planos de ação com ações corretivas para os próximos anos, naqueles talhões onde o resultado não foi o programado.

Com tamanho esforço para ganho de eficiência, é claro que empreendedor não pode se dar ao luxo de baixar a guarda na hora da comercialização, pois se trata de um momento crítico onde o risco e o potencial de lucro se equilibram. A eficácia na negociação e o timing são determinantes para capitalizar os esforços em ganho de produtividade, traduzidos em sacos ou arrobas por hectare. Aumentar a produtividade da soja em 4 ou 5 sacos por hectare requer dedicação intensa, e uma negociação mal planejada pode anular esses ganhos rapidamente, enquanto um momento oportuno pode maximizar os lucros.

O fator comportamental dos produtores é um ponto importante no que tange à política de comercialização, uma vez que é comum para o produtor o entendimento de que o travamento de uma posição pode mostrar um comportamento arriscado, quando na verdade a total exposição, com os custos já definidos antecipadamente, é que coloca em risco seus custos e atividades.

Existem indicadores dentro da economia comportamental que mostram a forma de pensamento de alguns produtores. O excesso de confiança, primeiro exemplo, se dá através de experiências em negociações passadas e mostra que sempre são possíveis melhores resultados no futuro. Já a ganância, está em sempre procurar um preço maior do produto comercializado, postura que pode levar à bancarrota do negócio, uma vez que a posição do mercado pode ser momentaneamente baixista. Outro comportamento é o de ancoragem, que consiste no entendimento de que o preço futuro sempre vai voltar a patamares anteriores e que ele poderá alcançar melhores resultados no futuro. O quarto comportamento comum é a responsabilização e a tomada de decisão em apenas um profissional, que assume a posição de responsável sozinho, peso que deve ser diluído para um time de especialistas que possam contribuir com a melhor decisão. Coloca-se, por fim, o medo de perder, ou seja, a precipitação ou o retardamento nas decisões devido ao risco de negociar em um momento pouco propício, o que pode atrapalhar o retorno do negócio.

Com isso, fica claro que estabelecer uma política de comercialização ancorada em uma estratégia sólida de plantio, manejo e colheita, com custos fixos e variáveis bem definidos, permite identificar claramente os volumes necessários para cobrir gastos e alcançar o lucro desejado. A comercialização deve ser planejada com o mesmo zelo dedicado à safra, assegurando a rentabilidade e gerenciando os riscos do negócio. Em grandes propriedades, uma política bem estruturada exige também a definição de limites para negociações e o suporte de relatórios de mercado, que contribuem para uma gestão comercial eficiente e a minimização de riscos, estabelecendo limites e avaliando desde a possibilidade de diversificação até a necessidade de seguros agrícolas e produtos financeiros.

Dois pilares importantes sustentam uma boa política, primeiro o estabelecimento de um comitê de comercialização, ou seja, a diluição da responsabilidade com pessoas técnicas de diferentes áreas da propriedade e que possam agregar em diferentes pontos de vista, e segundo, a construção de regras para definição de margem alvo, considerando 3 pontos ligados ao custo de produção, o entendimento da margem desejada/possível, a margem histórica daquela região e a margem de mercado. Lembrando que uma disparidade de margem muito alta pode influenciar no tempo e na quantidade de negócios a serem feitos.

Para suportar a comercialização, o empreendedor conta ainda com uma vasta oferta de ferramentas, desde plataformas para negociação direta e apoio de relatórios de mercado, até instituições financeiras que oferecem apoio e prestadores de serviços especializados neste tipo de mercado.

Compreender as boas práticas para a produção, suportada por uma estrutura que permita o bom aproveitamento dos recursos e a atitude proativa e consciente do empreender na hora da comercialização já deve garantir um ganho ótimo ao empreendedor se ele puder tornar praticável seus conhecimentos, mas é claro que para isso, o planejamento será fundamental.

Este degrau sobre estrutura e comercialização eleva a discussão e nos encaminha para o próximo texto, possivelmente o mais comum desafio de qualquer empreendimento rural em qualquer segmento, gestão de pessoas e governança, mais um assunto de inestimável valor neste tema tão complexo que o empreendedor está acompanhando aqui nessa série completa feita para ele.

 

Sobre os Autores:

 

Matheus Alberto Cônsoli é sócio fundador da Markestrat Group. Especialista em Estratégias de Negócios, Distribuição, Acesso a Mercado, Marketing e Vendas, Gestão de Cadeias de Suprimentos, e Avaliação de Investimentos. Possui ampla experiência em negócios agro no Brasil e exterior, suportando diversas indústrias de insumos, distribuidores e cooperativas, além de entidades públicas e empresas de outros setores a definir e implementar suas estratégias, redefinir estruturas e se posicionar no mercado em busca de competitividade e performance. É Doutor em Engenharia de Produção pela EESC/USP, Mestre e Graduado em Administração de Empresas pela FEA/USP. Professor em MBA’s da FGV e instrutor especialista em diversos programas de capacitação executiva. Investidor anjo, também apoia startups e investidores em avaliar e desenvolver negócios e processos de transformação digital e adoção de novas tecnologias e processos.

 

Anderson Tadeu Frangiotti é associado Markestrat. Especialista em sistemas de gestão agroindustrial, com experiência em Avaliação de Investimentos, Gestão da Cadeia de Suprimentos e Estratégia de Negócios. Graduado em Administração de Empresas e Matemática Aplicada a Negócios USP – FFCLRP/FEARP e Mestre em Administração de empresas pela USP - FEARP. Atuou por 10 anos como head de Supply Chain em empresa do agro, onde ajudou a redefinir a governança e a estrutura de distribuição bem como o acesso ao mercado. Professor universitário desde 2010 em cursos de pós-graduação e MBA’s e também instrutor em programas de capacitação executiva. Investidor em startups no agro, contribuindo com a definição do modelo de negócios e otimização dos processos.

 

Guilherme Carlotti é consultor da Markestrat Group. É graduado em Administração com Linha de Formação em Sistemas Agroindustriais pela UFSCar. Tem experiência em projetos de pesquisa e consultoria envolvendo as áreas de inteligência de mercado, acesso ao mercado, e planejamento estratégico.