Boletim Doutor Agro- Agosto/Setembro

Com “Safrinha” Acima dos 100 Milhões, Safra de Grãos Supera 320 Milhões de Toneladas

Reflexões dos fatos e números do agro em agosto e o que acompanhar em setembro

Na economia mundial e brasileira, a taxa de inflação, assegurada pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), concluiu o mês de julho com um aumento de 0,12%, avanço de 0,20 p.p. se comparado a junho (-0,08%), segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Em 2023, o indicador acumula alta de 2,99%, enquanto nos últimos 12 meses foi de 3,99%. Inflação cedendo, juros podem cair mais rapidamente.

O Boletim Focus de 18 de agosto, divulgado pelo Branco Central do Brasil, apontou as expectativas de mercado para os principais indicadores econômicos, sendo: o IPCA deve ficar em 4,90% em 2023 (igual ao mês anterior) e 3,86% em 2024 (também igual); o Produto Interno Bruto deve crescer 2,29% neste ano (leve alta) e 1,33% no próximo (leve alta); já o câmbio deve girar em torno de R$ 4,95 ao final do ano (leve baixa) e em R$ 5,00 ao término de 2024 (leve baixa); e, por fim, a taxa Selic está estimada em 11,75% no ano corrente (queda) e deve cair a 9,00% na conclusão do ano que vem (queda).

No agro mundial e brasileiro, o Índice de Preços dos Alimentos da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura) voltou a subir em julho, muito por conta da quebra da Iniciativa do Mar Negro que possibilitava as exportações de grãos da Ucrânia. O indicador ficou em 123,9 pontos, 1,3% acima do registrado no mês anterior, mas 11,8% abaixo do registrado em julho de 2022. O aumento foi impulsionado principalmente pelos óleos vegetais, que valorizaram 12,1% após sete meses de quedas consecutivas. Já o arroz subiu em 2,8% no mês, alcançando o maior nível nominal desde 2011 devido a proibição das exportações pela Índia, o maior exportador do produto. Enquanto isso, o açúcar (-3,9%), cereais (-0,5%), lácteos (-0,4%) e carnes (-0,3%) caíram em relação a junho.

No cenário internacional, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) divulgou a 4ª estimativa para a safra global de grãos em 2023/24; esta que inicia agora em setembro/outubro no Brasil. No milho, reduziu em 11 milhões de t a previsão de oferta global em relação ao relatório do mês passado: 1,213 bilhão de t devem ser produzidos neste ciclo, 5,3% a mais que na safra anterior. A redução mensal é resultado dos impactos do clima seco nos Estados Unidos e das fortes chuvas e inundações na China. Os EUA tem produção estimada agora em 383,8 milhões de t (+ 10,1%), enquanto a China deve produzir 277,0 milhões de t (- 0,07%). Brasil e Argentina, que ainda não iniciaram seus cultivos, seguem com os valores apontados anteriormente, de 129,0 (- 4,4%) e 54,0 milhões de t (+ 58,5%), respectivamente. Do lado dos estoques, o USDA reduziu em 3 milhões de t a projeção global, e agora indica 311,0 milhões de t, o que deve representar um crescimento de 4,4% em relação ao ciclo passado. Ou seja, espera-se uma safra de milho maior, mas “este maior” vem diminuindo a cada nova projeção.

Na soja, o departamento também reduziu as previsões de oferta, mas em menor nível: 2,5 milhões de t a menos que julho, totalizando agora 402,8 milhões de t, mas ainda 8,9% superior à safra 2022/23. A redução veio integramente dos Estados Unidos, pelos mesmos impactos do clima seco, assim como no milho. Os norte-americanos devem produzir 114,5 milhões de t (- 1,6%), enquanto Brasil e Argentina ofertarão 163,0 (+ 4,5%) e 48,0 milhões de t (+92,0%), respectivamente. Como resultado, os estoques finais da oleaginosa em 2023/24 devem fechar em 119,4 milhões de t, ainda 15,8% superior ao do ciclo passado.

O clima seco nos Estados Unidos também trouxe impactos para a oferta global do algodão. Neste mês, a previsão do USDA veio 593 mil t inferior à do mês passado, projetada em 24,85 milhões de t. Com isso, a produção da pluma em 2023/24 deve ser 3,5% menor do que a de 2022/23. A China, principal produtor, segue com 5,88 milhões de t (- 12,0%), a Índia com 5,55 (- 1,9%), os Estados Unidos com 3,05 milhões de t (- 3,2%) e o Brasil com 2,89 milhões de t (- 4,3%). Os estoques globais do algodão estão agora previstos em 19,94 milhões de t, 2,7% inferior ao ciclo passado.

As condições das lavouras dos Estados Unidos, no relatório divulgado em 21 de agosto, também pelo USDA, o milho estava com 11% das áreas em condições excelentes (12% em 2022) e 47% em boas (43% ano passado). Na soja, as condições estavam 10% excelentes (o mesmo valor do ano anterior) e 49% boas (era 47% na mesma data de 2022). Para o algodão, 6% dos campos encontravam-se em condições excelentes (5% em 2022) e 27% em boas (2022 era 26%). Apesar das baixas recentes, em geral, as áreas seguem com desempenho superior na comparação com o ano passado.

Após o rompimento do acordo de exportações no Mar Negro, a Rússia volta a atacar armazéns de grãos na Ucrânia. O país alega que suas demandas não estão sendo atendidas para a continuidade do pacto e, com isso, aumenta o risco de insegurança alimentar e de volatilidade nos preços. Ao menos 30% das exportações mundiais de milho e trigo são de responsabilidade dos dois países.

Em agosto, a Companhia Nacional de Abastecimento (a Conab) divulgou o 11º e penúltimo relatório de acompanhamento da safra 2022/23 de grãos no Brasil. A organização ampliou, mais uma vez, a produção total, agora estimada em 320,06 milhões de t (era de 317,6 no mês passado), crescimento de 17,4% na comparação com 2021/22. Por mais um mês, a melhora veio do bom desempenho do milho safrinha. O cereal deve entregar 129,96 milhões de t (+ 14,9%), sendo 27,37 milhões de t na 1ª safra (+ 9,4%), 100,18 milhões de t na 2ª safra (+ 16,6%) e 2,40 milhões de t na 3ª safra (+ 8,7%). A soja, cujos números já haviam sido consolidados, está apontada em 154,60 milhões de t (+ 23,1%). Já o algodão em pluma tem sua produção estimada em 3,03 milhões de t (+ 18,7%).

Ao todo, a safra 2022/23 de grãos ocupou uma área cultivada de 78,33 milhões de hectares (+ 5,0%), sendo que a soja utilizou 44,07 milhões de ha (+ 6,2%); o algodão, 1,65 milhão de ha (+ 3,6%); e o milho foi cultivado em 22,20 milhões de ha (+ 2,9%), 77,0% em áreas de 2ª safra. Já as culturas de inverno demandaram 4,19 milhões de ha (+ 10,6%).

Mesmo com a área plantada superior para quase todas as culturas da categoria (exceção do centeio), a produção das culturas de inverno deve cair em 2022/23: de 12,41 milhões de t no ciclo passado para 12,23 neste (- 1,4%). A baixa é explicada pela redução da produtividade em virtude dos efeitos do El Niño nas principais regiões produtoras. O trigo, principal destaque do grupo, foi semeado em 3,43 milhões de ha (+ 11,2%) e deve entregar 10,41 milhões de t (- 1,4%).

Em relação ao progresso das safras no Brasil, também divulgado pela Conab, até o último dia 19 de agosto, o milho 2ª safra estava com a colheita em 78,8% de progresso, ainda abaixo dos 90,2% no mesmo período do ano passado. O atraso da semeadura fez com que os grãos demorassem mais para atingir o nível de umidade adequado para a colheita. Estados do Centro-Norte já estão com a colheita praticamente finalizada, mas Paraná (2022: 79% | 2023: 34%), Mato Grosso do Sul (2022: 73% | 2023: 49%) e São Paulo (2022: 75% | 2023: 50%) ainda seguem com atraso relevante. O mesmo cenário vale para o algodão, onde as operações progrediram em 68,2% das lavouras, contra 88,0% no ano anterior. Os maiores estados produtores, Mato Grosso e Bahia, fazem partes das regiões com maior atraso se comparadas ao ano anterior, com 67,4% e 67,6% de avanço, respectivamente.

Em julho, as exportações do agronegócio voltaram a atingir um novo recorde para o mês, com US$ 14,43 bilhões em receitas (+1,2% em relação à mesmo período de 2022). Embora os preços tenham caído (-10,6%), houve significativo aumento dos volumes exportados (+13,2%). Entre janeiro e julho, o agro brasileiro já exportou US$ 97,12 bilhões, alta de 3,9% no comparativo com o mesmo período do ano passado.

Os 5 setores que mais contribuíram com o desempenho em julho têm, na liderança, o “complexo soja”, sendo responsável por US$ 6,09 bilhões (+1,1%); apenas a soja em grão foi responsável por quase 80% do total, embarcando 9,70 milhões de t (+29,2%). Esses números são explicados pela safra nacional recorde, que está atendendo a queda de produção na Argentina (-18,9 milhões de t) e nos Estados Unidos (-5,2 milhões de t).   Na segunda posição, aparecem as “carnes” com US$ 1,99 bilhão (-15,7%). Na carne bovina, o valor embarcado foi de US$ 852,91 (-29,4%), por conta da redução do volume (-6,35 mil t) e do preço médio de exportação (-27,0%). A inflação, aumento da taxa de juros e avanço da produção de alimentos em alguns países interferem nesse cenário. Já a carne de frango exportou US$ 845,59 milhões (-3,1%), com aumento em volume (+31 mil t) mas também queda no preço médio (-10,2%). E por fim, a carne suína foi a única com incremento tanto em volume (+7,5%) quanto em preço (+3,7%), alcançando US$ 245,55 milhões nas vendas externas (+11,5%), dado a limitação de oferta pela Peste Suína Africana (PSA) nas Filipinas.

Em terceiro lugar, o “complexo sucroalcooleiro” foi o que apresentou maior crescimento entre os 5. As vendas foram de US$ 1,68 bilhão em julho (+30,6%), sendo a maior parte representada pelo açúcar, com embarques de US$ 1,47 bilhão (+28,7%). As chuvas abaixo da média em importantes países produtores (Índia e Tailândia) indicou projeções de queda na oferta. Em seguida, as exportações de “produtos florestais” atingiram US$ 1,34 bilhão (-4,3%), com destaque para a celulose que representou mais de 60% do valor. Por fim, o quinto setor foi o de “cereais, farinhas e preparações”, alcançando US$ 1,16 bilhão (-8,4%). O milho foi o protagonista nesse desempenho, responsável por quase 90% do montante.

Pelo lado das importações, o setor foi responsável por adquirir US$ 1,39 bilhão no mercado exterior em julho, o que corresponde a uma queda de 6,0% em relação a julho de 2022. Dessa forma, tivemos um saldo positivo na balança comercial de US$ 13,04 bilhões (+2,0%). 

O Valor Bruto da Produção (VBP) Agropecuária foi atualizado para R$ 1,135 trilhão, pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). O indicador é 1,9% maior se comparado ao mesmo mês de 2022 (R$ 1,114 trilhão), mas 1,1% menor em relação ao mês anterior (R$ 1,148 trilhão). Enquanto as lavouras cresceram 4,0% com um faturamento de R$ 801,9 bilhões, a pecuária retraiu 2,9% representando um montante financeiro de R$ 333,6 bilhões. Entre os 5 principais produtos, a soja segue liderando a lista com participação de 28,9% no total do VBP, seguida do milho (12,6%), bovinos (11,7%), cana-de-açúcar (9,2%) e carne de frango (7,4%).

O Índice de Poder de Compra de Fertilizantes, divulgado pela Mosaic Fertilizantes, fechou julho no nível mais baixo do ano, e alcançou um dos melhores patamares em dois anos. Em julho, o índice foi 0,87, bem abaixo do 1,85 observado no ano anterior. Lembrando que quanto menor a relação, mais vantajoso ao produtor. Mesmo com oscilações nas cotações das commodities e leve aumento mensal de 5% nos preços dos fertilizantes, o cenário continua favorável. A aproximação do plantio e bons indicadores aquecem o mercado. Nos Estados Unidos, a demanda por fertilizantes está aumentando, e no Brasil, negociações agora visam evitar problemas logísticos. Já está passando da hora de comprar.

Um estudo feito pelo Grupo de Pesquisa e Extensão em Logística Agroindustrial (ESALQ-LOG) revelou que 61% das fazendas de grãos no Brasil têm falta de estruturas para armazenar a safra. A Câmara Setorial de Equipamentos para Armazenagem de Grãos da Abimaq projeta que, embora a produção cresça anualmente em torno de 10 milhões de t, a capacidade de armazenamento aumenta apenas metade desse valor, isto é, 5 milhões de t. Além disso, a Abimaq aponta um déficit de armazenagem de 118,5 milhões de t no país, com apenas 15% dessa capacidade alocada nas fazendas. Faz-se necessário, portanto, de um investimento anual de no mínimo R$ 15 bilhões para acompanhar o crescimento da produção agrícola.

No primeiro trimestre de 2023, a população empregada no agronegócio brasileiro atingiu 28,1 milhões de pessoas, marcando um recorde para esse período na média histórica. O setor representou 27% do total de empregos no país. Em comparação com o mesmo período de 2022, houve um aumento de 0,9%, impulsionado principalmente pelos agrosserviços, que cresceram 6,7%. Além disso, esse crescimento foi impulsionado principalmente por trabalhadores com carteira assinada, com maior nível de educação e pela participação feminina.

A indústria avícola do Brasil recebeu a boa notícia da volta do Japão às compras, que haviam sido temporariamente suspensas do Espírito Santo e de Santa Catarina. Ainda na pecuária, o Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea) conduziu o 2º levantamento das intenções de confinamento em 2023 no Mato Grosso. A previsão é de confinar 618,36 mil cabeças de gado ao longo do ano, um crescimento de 28,9% em relação ao 1º levantamento de abril. No entanto, esse número ainda é 12,2% menor do que o total observado no ano passado. A desvalorização do preço do boi gordo em julho preocupou os confinadores (-25,9% ante 2022), mas a queda no preço do milho beneficiou os pecuaristas ao reduzir os custos de confinamento para aproximadamente R$ 14,75 por cabeça por dia.

A Caramuru Alimentos iniciou a produção de etanol hidratado de soja. A produção está sendo feita na unidade industrial de Sorriso (MT), cuja capacidade anual é de 9,5 milhões de litros do biocombustível. A empresa afirma que 72,0% do volume deve ser comercializado e outros 28,0% serão consumidos na unidade.

Concluindo a nossa análise do agro brasileiro, apresentamos os preços dos principais produtos do setor no fechamento da nossa coluna. A soja, para entrega em cooperativa de São Paulo (FOB), estava em R$ 141,30/sc (60kg), enquanto o contrato de mar/2024 era negociado em R$ 128,80/sc. No milho, o preço físico estava em R$ 53,30/sc e os futuros em R$ 58,33/sc para nov/23 e R$ 65,60/sc para mar/2024 (B3). Já o algodão (Base Esalq) girava em torno de R$ 134,78/@, uma leve recuperação mensal com a previsão de redução na oferta global. Outros produtos do agro estavam cotados, segundo o Cepea/Esalq, em: café arábica a R$ 811,07/sc (60 kg); o trigo Paraná em R$ 1.271,86/t; a laranja indústria (a prazo) em R$ 45,54/cx (40,8kg); e o boi gordo em R$ 215,10/@.

 

Os cinco fatos do agro para acompanhar em setembro são:

  1. Conclusão da colheita e números finais (produção e produtividade) do milho 2ª safra no Brasil. Vale acompanhar também as movimentações para semeadura da safra 2023/24 de grãos no Brasil, que deve começar já no final do próximo mês e início de outubro; avaliar a opção de plantio dos agricultores, bem como o progresso iniciais das operações.
  2. Olhar para o clima nos Estados Unidos nesta reta final da safra, bem como as condições das lavouras. Fica cada vez menos provável que existam grandes impactos na produção (além dos já contabilizados), mas vale a análise constante nesse momento pois qualquer diferença lá tem poder de interferência no mercado.
  3. A intensificação do conflito Rússia e Ucrânia e impactos nos grãos (portos e áreas rurais bombardeadas; acordo Mar Negro não renovado; Ucrânia buscando rotas alternativas para exportações; e outros fatos).
  4. Os avanços da discussão da reforma tributária, bem como do arcabouço fiscal no congresso brasileiro. É importante compreender as propostas, mapeando possíveis impactos ao setor.

Por fim, vamos olhar para o câmbio, que voltou a se aproximar de R$ 5,00 recentemente, com desaceleração da economia chinesa (baixa no mercado imobiliário) e alta na inflação nos EUA. Aos agricultores que já compraram todos os insumos, este pode ser um movimento interessante em prol de valorização ou, ao menos, sustentação dos preços das commodities, interferindo favoravelmente na decisão de plantio e total de áreas na safra 23/24.