"Desafios da Logística na Distribuição de Insumos Agropecuários" é o tema abordado por Matheus Alberto Cônsoli, Rafael Vieira e Fábio Delsin, dando continuação a sequência de artigos.
Continuando a sequência de artigos sobre os desafios na distribuição de insumos agropecuários., trataremos neste novo artigo a reflexão acerca da seguinte pergunta: Com a aproximação dos motoristas autônomos dos embarcadores através das Logtechs, quais serão as tendências da gestão de fretes?
Antes de mais nada, precisamos ter a visão que o Brasil é um país que tem predominância do volume de cargas transportadas pelo modal rodoviário e 78% da frota de caminhões cadastrados na ANTT é composta por transportadores autônomos de cargas, pessoa física ou jurídica (TAC), e cooperativas de transporte de cargas (CTC). Em média, para conseguir faturar em um dia de trabalho dirigindo, o motorista já perdeu 4 dias parado esperando carga, aguardando carregamento, descarga ou trafegando vazio. Desde 2007, todo o setor de transporte rodoviário de cargas vem passando por grandes mudanças nas esferas legislativa e regulatória, e a tendência é que isso continue a acontecer pela relevância deste modal na malha logística do Brasil.
O mercado de transporte rodoviário funciona com quatro agentes diretos:
1) O motorista autônomo, que historicamente é o elo mais fraco, com baixa remuneração, com preço do frete regulado pela oferta/demanda e sem acesso ao dono da carga (embarcador).
2) Os frotistas e operadores logísticos, que são as transportadoras que investem pesado em ativos, possuem fretes precificados com base em custos, e possuem baixa garantia de volume, precisando assim de contratos de longo prazo.
3) Os agenciadores, que possuem estrutura de baixo custo e que são grandes influenciadores dos motoristas autônomos.
4) Os embarcadores, que são os detentores da carga, não olham o transporte como negócio e buscam o menor valor de frete possível para não espremer suas margens.
Pesquisas apontam que os segmentos de com maior incidência do valor do frete no preço do produto transportado são: Mineradoras/Fertilizantes (26% do preço do produto), Papel e Celulose (22%), Grãos (21%), Indústria (18%), e uma média nacional em torno de 13%. Nestes segmentos estamos falando de aproximadamente 700.000 motoristas circulando diariamente nas rodovias brasileiras, transportando 50% do volume, com desafios diários para conseguir uma carga. Os embarcadores (donos das cargas) são os grandes demandantes do serviço de transportes, os demais citados são agentes que fazem a conexão entre os transportadores frotistas e motoristas autônomos dentro de um complexo ecossistema.
Pelo lado dos embarcadores, as exigências de contratação geralmente estão direcionadas pelo perfil da carga, valor, tipo de caminhão, infraestrutura de carga e descarga para assegurar nível de compliance, e um plano de gerenciamento de riscos (PGR), inclusive trataremos sobre este último em um artigo específico. Sob a ótica das transportadoras e operadores logísticos, existe uma série de exigências regulatórias e gestão de custos operacionais que precisam ser considerados na composição do valor do frete final cobrado aos embarcadores, tais como: CIOT (Código Identificador da Operação de Transporte), ou seja, é uma série de números obtida através do cadastro da operação de transporte no sistema eletrônico da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), Pedágio, Gerenciamento de Risco, Seguro, Corretor, Contingência, Redes de Postos de Combustíveis, Oficinas de Manutenção, Peças de Reposição, Insumos, etc. Todos estes agentes buscarão ofertar suas cargas aos motoristas e seus caminhões, com diferentes graus de risco e status operacional – parado, em viagem, aguardando carga/descarga, ou até mesmo em horário de repouso.
Nesta dinâmica, estabelecer o contato com o motorista autônomo que está diariamente na estrada torna-se um desafio às empresas contratantes, afinal de contas é necessário encontrar o profissional nos momentos em que ele não está dirigindo e de maneira fácil e rápida. Neste ambiente, o avanço dos smartphones foi o grande propulsor do crescimento das Logtechs, de modo que os agentes conseguem trocar as informações e documentos necessários superando as limitações. Conversar com o caminhoneiro por meio de um aplicativo ou especificamente pelo WhatsApp foi uma boa ideia, como aconteceu com o UBER nos grandes centros. Entretanto, a verdade é que muitos caminhoneiros não se lembram diariamente de acessar todos os aplicativos para conferir se alguma mensagem nova chegou, se tornando um grande emaranhado de apps para que ele possa trocar informação com as transportadoras e embarcadores. Além disso, a tecnologia também pode se tornar um entrave para a comunicação eficiente, já que é necessário garantir que o profissional tenha memória suficiente no seu smartphone, baixe mais um aplicativo, cadastre-se nele e aprenda a usá-lo, entre diversos outros fatores que apontam para esta nova dor. Nesse sentido, é provável que ocorrerá uma consolidação de aplicativos de transporte de cargas no futuro.
É neste ambiente, bastante dinâmico, que surgem três grupos de Logtechs que passam a intermediar a relação entre embarcadores, transportadoras e motoristas.
a) As centrais de fretes, que fazem o oferecimento de cargas com cotações de tarifas, consolidação de cargas etc.
b) as plataformas de fretes, que buscam oferecer soluções baseadas em dores dos embarcadores como agendamento, monitoramento de entregas, auditoria de fretes, entre outras.
c) as transportadoras digitais, que acabam sendo transportadoras com as mesmas exigências regulatórias, operacionais e riscos envolvidos, porém com gestão ágil e capacidade de customização das soluções para resoluções de problemas, como uma startup de tecnologia que deve ser.
Essas Transportadoras Digitais buscam se diferenciar neste mercado procurando atuar com foco na experiência do usuário, partindo para aumentar a produtividade e o entendimento da necessidade do motorista, procurando oferecer uma solução totalmente integrada de ponta a ponta e que funcione de verdade para buscar a fidelização dos motoristas e atraindo os embarcadores do Agronegócio. Os principais benefícios são: integração de rotas para capturar melhoria do nível de serviço, aumento de produtividade, redução de custos e ganhos de escala usando a tecnologia como base para assegurar a responsabilidade pela execução do transporte, seja essa civil, criminal, ambiental e de reputação, gerar valor, recolher os impostos corretamente e entregar lucro aos acionistas. Em outras palavras, seja qual for o modelo, transportadora tradicional ou digital, os objetivos da organização serão os mesmos e estas ajudarão a atender as necessidades de embarcadores e motoristas.
No transporte de grãos, fertilizantes, sementes e produtos agroquímicos as oportunidades podem ser capturadas com o acesso direto ao motorista pelo embarcador, reduzindo a participação da intermediação através das Logtechs. Existem grandes embarcadores do Agro (empresas que precisam entregar seus produtos para outras empresas ou para os produtores rurais) caminhando para estudos de primarização de transportes, de modo que suas demandas de fretes se transformem em uma unidade de negócio que busca eficiência, sinergias operacionais com parceiros para redução de tempo morto, além de relação mais próxima com os caminhoneiros, por exemplo fornecendo máxima transparência em relação ao valor do frete pago pelo embarcador em relação ao que chega no bolso destes motoristas.
De fato, quanto menor a margem bruta sobre o preço de comercialização dos produtos transportados, menor será aceito pelo mercado níveis de intermediadores que não agregam valor a prestação de serviços contratados, considerando que a disponibilidade do conjunto caminhão/motorista e nível de serviço estejam assegurados. Para se ter uma ordem de grandeza, potencial e tamanho deste mercado, segundo dados coletados pelas Logtechs e embarcadores, com a adoção de tecnologia e aumento do tempo de rodagem, estima-se uma redução de custo fixo em R$ 12 bilhões.
Negociar fretes baseado somente em R$/ton pode limitar as oportunidades e expor as empresas embarcadoras a riscos intrínsecos à atividade de transporte como cobertura de seguros e gerenciamento de riscos, assim como a itens definidos por lei como o pagamento de vale-pedágio, entre outros. As soluções de TMS (Sistemas de Gestão de Transportes), juntamente com as Logtechs, tem mostrado evoluções em suas funcionalidades que permitem a abertura destes elementos de custos de fretes para melhorar a gestão destes gastos.
Para finalizar a discussão sobre este tema, a tecnologia no setor de transportes é um caminho sem volta, em algum tempo a situação que vemos nas cidades no transporte de passageiros com o avanço dos aplicativos deverá ocorrer nas estradas em relação ao transporte de cargas, ainda mais se considerarmos a velocidade das transformações pelas quais os negócios têm passado nos últimos anos e o aumento das demandas de fretes dentro do agronegócio, acompanhando o crescimento do setor. Pense nisso e bom trabalho a todos!