"Desafios da Logística na Distribuição de Insumos Agropecuários" é o tema abordado por Matheus Alberto Cônsoli, Rafael Vieira e Fábio Delsin, dando continuação a sequência de artigos.
No artigo que abriu esta série sobre os desafios na distribuição de insumos agropecuários, abordamos sobre a consolidação da indústria no passado e dos distribuidores no presente, seja através de estratégias de aquisições ou expansão orgânica. Neste cenário, com plataformas de distribuição de insumos, uma tendência percebida e que já tem se tornado realidade de algumas empresas é a criação de lojas menores, com melhores experiências para os clientes, saindo de cena uma estrutura tradicional de loja com armazém em anexo.
O objetivo aqui não é somente responder às perguntas, mas também fomentar reflexões, análises e discussões, dado que a Logística é uma etapa importante do processo de efetivação da venda por estar muito próxima ao cliente, sendo um ponto de contato que se torna sensível ao negócio pela exigência do cumprimento do prazo de entrega. Além disso, produtores rurais estão cada vez mais exigentes e apontam a logística no sentido de cumprimento de prazos e certeza do recebimento dos produtos como ponto relevante na tomada de decisão de compra.
Diante desta tendência, procuraremos dividir com você leitor uma visão sobre a primeira pergunta desta série artigo: Como fica o desafio logístico diante deste novo formato no segmento de oferta de insumos?
Primeiramente, sabemos que a Logística não se limita a pensar em armazenagem e transportes, é necessário olhar para toda a cadeia de suprimentos e entender os desafios da indústria e seus principais gargalos. O primeiro passo é modelar a gestão de demanda até o abastecimento e a entrega com a implementação do processo de S&OP (Planejamento de Vendas e Operações). O ciclo de S&OP trata-se de um processo estruturado e periódico de consolidação de informações oriundas de diferentes áreas (marketing, vendas, suprimentos, operações e finanças) que são revisadas, debatidas, analisadas, e ao final, gera compromissos de entrega de todos as áreas através de planos funcionais que devem ser realistas e efetivos. Ou seja, visa garantir a correta alocação de recursos, processos, capacidades, restrições e disponibilidade, de forma diretamente alinhada com as diretrizes estratégias da empresa.
Como uma primeira resposta, tudo se inicia com um planejamento robusto e adoção de um processo de S&OP muito bem consolidado e se tornando um fato chave de sucesso nas dinâmicas atuais. Esse processo já ocorre de maneira forte na indústria e deve começar a ser implementado também na distribuição de insumo.
O segundo passo é avaliar a infraestrutura logística para suportar o novo formato. É importante entender que o sistema de distribuição de insumos está passando por transformação, seja nos meios tradicionais e/ou digitais para escalar os negócios com eficiência operacional e entregando um nível serviço elevado para o cliente como diferencial competitivo.
Atualmente no Brasil a distribuição de insumos possui aproximadamente 4 mil pontos de vendas e a consolidação está acelerando a expansão de novas lojas, estima-se que este número passará de 5 mil PDV’s entre Revendas e Cooperativas até 2025. Diante disso, o modelo tradicional Loja + Depósito não se torna sustentável em um negócio onde o custo de transação fica muito próximo da margem bruta e que requer um capital empregado em estoque muito relevante. Assim, os ajustes e melhorias passa por entender e buscar soluções para os principais desafios da Logística dos distribuidores, como:
- Estoques distribuídos em várias lojas que demandam espaços físicos com elevados requisitos regulatórios de saúde, segurança do trabalho e meio ambiente.
- Complexidade operacional, alto custo para manutenção de licenças operacionais e ambientais para armazenagem de produtos químicos.
- Estoques de alto valor elevado que demandam custos com seguro e gerenciamento de riscos, e em alguns casos sem seguro contra roubo/incêndio.
- Necessidade de estrutura operacional em cada loja para baixo nível de utilização de mão-de-obra, armazéns adaptados com baixa verticalização, empilhadeiras e equipamentos de movimentação com fator de utilização muito baixo, carregando o custo transacional.
- Falta de sistemas de gestão de armazenagem para um controle efetivo de lote e data de validade de produtos (FIFO/FEFO) com dificuldade de disponibilizar informações para ações comerciais e as vezes gerando descarte e destruição com prejuízos para as margens da empresa.
- Variações de acuracidade de demanda vs vendas e posicionamento do estoque, gerando frete adicional de transferências de produtos entre lojas, até mais de uma vez, elevando os custos de transação.
- Representantes/Consultores de vendas efetuando entregas, de modo que sua atividade principal deveria ser prestar assistência técnica aos clientes e promover a geração de demanda para capturar oportunidades de aumentar as vendas.
- Custos de ineficiência operacional ocultos não medidos por falta de metodologia e ferramentas, muitas vezes não computados no custo de servir.
Como terceiro passo para evoluir a discussão, pode-se ter como premissa que em um dado momento o processo logístico da última milha deixe de ser somente uma atividade operacional e torna-se relevante e estratégico permitindo a criação de verdadeiros negócios multicanais (omnichannel) como aconteceu com o varejo dos grandes centros. Diante deste cenário, a maioria dos distribuidores tradicionais e até mesmo as plataformas de distribuição experimentariam algum grau de transformação no modelo logístico atual junto a seus clientes e teriam que buscar de alguma maneira formas de se movimentar frente à concorrência, adotando tecnologias para oferecer algum diferencial competitivo para cumprir o prazo de entrega prometido, passando por um redesenho logístico eficiente e diferente do modelo atual. Assumindo que é necessário superar os 8 desafios listados acima, podemos transformar problemas e dores em oportunidades para capturar ganhos de eficiência e redução de custos transacionais. De fato, ficar parado e não olhar a Logística com parte da estratégia não é uma opção para assegurar uma melhor experiência do produtor rural, aumentar e fidelizar a relação comercial, assegurando a rentabilidade e sustentabilidade do negócio.
Já caminhando para o último e mais sensível passo, é observar o tão discutido custo de servir. Engana-se quem considera que este KPI é a razão do Custo Logístico sobre a Receita Operacional Líquida. O custo de servir não pode ser a simples relação direta com o preço do insumo chegando a um percentual sobre vendas. Apesar de não deixar de ser uma visão gerencial, fato é que o verdadeiro custo de servir deve ser mais abrangente, incluindo: custos fixos com pessoal alocado na logística; custo de capital empregado em estoques; custos de sistemas; custo de movimentação, armazenagem e transportes, seja feito por caminhões próprios, motoristas autônomos, operadores logísticos e transportadoras, seja por consultores de vendas que realizam entregas.
Observando alguns insumos agropecuários como defensivos agrícolas, sementes, fertilizantes e nutrição animal, uma primeira constatação é que os preços dos produtos subiram muito, porém os custos de mão-de-obra, armazenagem e fretes, apesar de também subirem não o fizeram na mesma proporção, portanto entender que o percentual do custo logístico sobre vendas se reduziu e a logística se tornou mais eficiente não pode ser usado como verdade para mensurar essa eficiência. Uma forma alternativa de observar então seria utilizando o indicador do custo unitário entregue, sendo R$/tonelada no caso de fertilizantes e nutrição animal, R$/saco para sementes, ou R$/Kg-Lt para defensivos. Além disso, torna-se necessário também uma abertura entre custos com transporte (70% do custo logístico em média) e custos com armazenagem (30% em média) para melhor diagnóstico e entendimento do custo de servir, além de outros custos fixos e ocultos que estão em outras linhas da DRE.
Assim, o aprofundamento e entendimento dos custos logísticos passa por isolar este valor que pode ser de 2 a 5% do faturamento líquido dependo do elo da cadeia do agronegócio e transformar este valor em 100%. Fazendo o exercício do princípio de Pareto, usando alguns métodos de identificação de lacunas abertas, com certeza surgirão oportunidades fracionadas que somadas podem trazer ganhos quantitativos e qualitativos de relevância na logística para indústria, cooperativas, distribuidores e revendas.
Diante destes exercícios e fundamentos básicos de uma gestão logística, pode-se começar a pensar e testar modelos diferentes para a construção de novos formatos, que já estão muito bem consolidados na indústria com operadores de serviços logísticos especializados em armazenagem e transportes de insumos agropecuários. Entretanto é muito importante lembrar que a margem bruta de uma indústria de defensivos, por exemplo, é muito distante da margem dos distribuidores, portanto nem sempre o que pode funcionar bem no sell in da Indústria vai ser efetivo no sell out dos Distribuidores.
O importante é realizar um diagnóstico detalhado, entender as lacunas e gargalos, testar modelos, fazer pilotos, errar em ambiente controlado, testar novamente e seguir em um desenho que tenha aderência com a demanda da região de atuação, disponibilidade de ativos logísticos, capacidade de investimentos e principalmente, tecnologias necessárias para acesso à informação e encurtamento de distâncias.
No próximo artigo da série, aprofundaremos temas relacionados à avaliação de cenários do desafio logístico no segmento de oferta de insumos agropecuários com exemplos de como se dará a eficiência do abastecimento de lojas e centros de distribuição. Boa reflexão e bom trabalho a todos!